terça-feira, 2 de dezembro de 2008

O SISTEMA JUDICIÁRIO BRASILEIRO - Um imenso e permanente potencial para o totalitarismo - 2005

Olavo Cabral Ramos Filho
Engenheiro - Membro do Conselho Diretor do Clube de Engenharia


“Blackstone (William) fez mais do que qualquer outro autor nos paises de língua inglesa para reduzir o monopólio dos advogados do conhecimento da lei”

“Sua exposição da constituição e da ‘Common Law’ britânica foi tão bem explicada, tão didática e tão atraente, que os americanos nunca foram tentados a elaborar para seu país codificações pretensiosas e dogmáticas”

Daniel Boorstin – Historiador americano no livro “A Misteriosa Ciência da Lei”.



“K. vivia, no entanto, num estado regido pelo direito, em todo lugar reinava a paz,

todas as leis estavam em vigor, quem ousava agredi-lo em casa ?”

Franz Kafka, em “O Processo”.



INTRODUÇÃO

Em nenhum momento um profissional de tecnologia e engenharia, que se arvorasse em analisar o sistema judiciário do país, poderia lançar-se ao inatingível fundo de poço em busca de alguma pertinência nos intricados, hiper codificados e hiper interpretados caminhos trilhados por esse sistema. Isto é, enquanto profissional de engenharia deve deixar claro que será inútil os juristas, advogados, magistrados, procuradores e as OAB’s responderem à suas análises e propostas com desclassificações atribuídas a sua ignorância jurídica. Não sendo e não pretendendo ser especialista, assumimos tranqüilamente essa ignorância.

Os contatos que nossos colegas da área de engenharia legal tem com os operadores do poder judiciário, nos trazem histórias sobre o bom conceito dos engenheiros naqueles ambientes. Mas somos submetidos a uma falsa premissa. Atribuem-nos apressadamente eterna e inamovível lógica cartesiana. Apregoam que a lei, sua interpretação e aplicação trilham caminhos menos lógicos, mais “misteriosos” que os engenheiros deviam evitar. Essa premissa torna-se cada vez mais equivocada na medida que, sobretudo a partir dos últimos anos do século XX, os sistemas com que lidam os profissionais de engenharia passam daqueles newtonianos, onde impera a certeza ou a probabilidade de 100%, para aqueles nos quais a probabilidade da ocorrência de eventos está longe de 100% ou até a “nova ciência” que trata dos fenômenos nos quais a probabilidade de um evento acontecer não é nem 100% nem mesmo é consistente ao longo do tempo.

Mas não é o conhecimento dessa “nova ciência” o único atributo que nos credencia a opinar sobre a parafernália que aflige o sistema judiciário brasileiro. Muito mais temos o direito de nos pronunciar como um conjunto de cidadãos de nível universitário massacrados pela escassez de emprego, a degeneração dos salários e do “status”, a ausência de motivação tecnológica gerados por uma estagnação econômica de 25 anos marginalmente sentida, por razões óbvias, pelos profissionais do direito. Enfim, não exageramos se afirmarmos que nos pronunciamos como parte do majoritário contingente de cidadãos que vêem o sistema judiciário inchar continuamente, num cenário de mistério e realismo fantástico, incorporando nesse processo crescentes características autoritárias. Não somente autoritárias. Entre os poderes da república, aquele que a cidadania vê trilhar caminhos com nítidos e crescentes sintomas totalitários.

Contatos com uma representativa parcela dos profissionais do direito, desde que se iniciou o processo denominado reforma do judiciário, convenceu-nos da enorme dificuldade na busca de quaisquer mudanças mais profundas que fossem além de simples retoques na gestão do sistema judiciário brasileiro. Mais difícil ainda é o dialogo conceitual. Isto é, diversos profissionais do direito, magistrados e suas entidades representativas, rebatem quaisquer sugestões de simplificação das tradições romanas de hiper codificação e dos tortuosos caminhos jurídicos. Enfim, tentam sempre desqualificar e alienar o simples cidadão não profissional do direito. Sobretudo quando esse, por terrível infelicidade, torna-se um cliente. Ao contrário da inexorável necessidade de, em algum momento da vida, nos tornarmos clientes de profissionais da medicina, como seria boa uma eterna e permanente desnecessidade dos serviços de advogados. No caso da medicina a liberdade do cidadão não estaria em poder escolher seu médico. Num sistema de saúde de alta qualidade a liberdade estaria em não ser necessário escolher o médico. No caso dos advogados a liberdade seria nunca precisar de advogados.

Merece ser citado um diálogo específico: ponderava um cidadão com um profissional do direito sobre a sobrecarga do STF. Deu um simples exemplo de um processo trabalhista de cobrança de direitos pecuniários de um empregado, demissionário ou demitido, que, por ventura, havia subido aquela corte. Pensava o cidadão que o profissional do direito concordasse com o absurdo dessa tramitação. Surpreendeu-se ao ouvir que mesmo esse caso poderia ter implicações constitucionais. Usando terminologia técnica da engenharia de sistemas de controle, afirmamos que o “interface” de comunicação é extremamente bloqueado e angustiante. Sem exagero, diríamos inviável. Mas, mesmo nesse dramático cenário tão bem mostrado na obra de Franz Kafka em toda pujança do seu totalitarismo, ousaremos nos pronunciar.

Pode parecer quixotesco propor o arrombamento radical das “portas da lei” brasileira. Michael Lowy no seu livro Franz Kafka - Sonhador Insubmisso analisa a perfeição todos os aspectos da parábola Diante da Lei incluída n’O Processo e publicada isoladamente em vida do escritor. Não faltaram interpretações daquela misteriosa e aparentemente indevassável estória. O amigo do escritor, Felix Weltsch, afirmou em artigo publicado em 1927: “o homem do campo malogrou porque não quis tomar o caminho rumo à Lei atravessando essa porta sem autorização. Em outros termos, o homem do campo deixou-se intimidar: não é a força que o impede de entrar, mas o medo, a falta de confiança em si, a falsa obediência à autoridade, a passividade submissa.”

Não é quixotesco propor o arrombamento, a travessia da barreira. Não vamos implorar o direito de entrar. O medo contido nesse ato submisso é que dá o direito aos guardiões do sistema judiciário brasileiro de nos barrar o caminho.



UMA PEQUENA HISTÓRIA A PARTIR DA INDEPENDÊNCIA

Apelamos para o que nos ensina o professor Edmundo Campos Coelho, falecido em 2001, no seu livro As Profissões Imperiais – Medicina, Engenharia e Advocacia no Rio de Janeiro – 1822-1930. O sistema judiciário brasileiro, a partir da independência, pode ser muito bem entendido pela leitura das 40 páginas do quinto capítulo do livro - “A maçonaria de Quincas, o Belo”. Temos uma excelente visão sobre a corporação. Aliás, sobre os engenheiros, ao capítulo 6, com 31 páginas, foi dado o título de “A apoteose de Madame Labat”.

Transcrevemos curto texto no início do capítulo 5: “Além das Ordenações Filipinas, conjunto de leis compiladas e sistematizadas em 1603, o Brasil também adotava pela carta de Lei de 20 de outubro de 1823 um vasto e disperso corpo de disposições legais que igualmente não coubera nas Ordenações anteriores, as chamadas leis extravagantes. Ademais, e este é o ponto principal, faziam parte da herança a anarquia e o caos jurisprudencial que acompanharam a história do direito português.

Edmundo Campos Coelho transcreve integralmente o texto da Carta de Lei de 23 de maio de 1821, o Aviso de 28 de agosto de 1822 e a Carta de Lei de 23 de setembro de 1828. A primeira dessas leis é um belo documento de garantia dos direitos individuais contra o arbítrio. Apesar de formas de linguagem do inicio do século XIX, aquelas leis tem um texto surpreendentemente claro em linguagem fácil de ser entendida por simples mortais, que poderia fazer prever um destino promissor nesse aspecto. Foi uma esperança frustrada como ficou demonstrado pela peculiar novilíngua cifrada dos juristas, advogados e magistrados mais modernos, alcançando o paroxismo nos 2046 artigos do Código Civil, 1220 do Código do Processo Civil, 811 do Código de Processo Penal, 361 do Código Penal, 218 do Código Tributário e mais os 922 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), podendo essas quantidades crescerem, para espanto dos profissionais do direito dos paises de tradição da “Common Law”, se nos dermos o trabalho de contar parágrafos e incisos. Pior, até porque centenas de artigos referem-se às leis que os regulamentam, pois nem tudo está esgotado nos códigos; são centenas de leis chamadas extravagantes (ver citação acima) que são mudadas com esquizofrênica freqüência. Contudo, com raras exceções, não se nota nenhum desgosto dos profissionais do sistema com esse estado de coisas ao se discutir o que se passou a denominar “A Reforma do Judiciário”. As propostas somente tangenciam as causas. Tudo parece se resumir em reformas na gestão do poder judiciário ou, como a imprensa noticiou no inicio de abril de 2005, na escolha de estilistas para desenharem togas mais modernas e apropriadas ao clima tropical. Nenhuma mutação radical é proposta pela maioria dos magistrados de todas as instâncias a começar pelo STF, procuradores do ministério público, defensores públicos, juristas e advogados privados, individualmente ou através das OAB’s e o mais do que centenário Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) que Joaquim Nabuco denominou de “maçonaria de honra”. Ouvem-se exclamações de indignação e a usual desqualificação por ignorância jurídica, quando se ousa propor a aplicação simples do conceito de PRECEDENTES, significando, como no Reino Unido, simplesmente: “Prévias decisões judiciais que devem ser seguidas nas cortes de justiça”. Em contrapartida a escassa abrangência aprovada pelo Senado do que se denominou “Súmula Vinculante”. Essa resistência é resumida pela professora Maria Teresa Sadek em entrevista publicada pela Folha de S. Paulo em 10 de novembro de 2003: “o próprio judiciário assumiu muito mais como uma força de contenção. Mexeu mais no poder de não deixar as coisas andarem.”



HISTÓRIA MAIS RECENTE

Na seção Notícias da página eletrônica do Ministério da Justiça foi informado que na sexta-feira 8 de abril de 2005 o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, manteve encontros com representantes do Judiciário britânico e especialmente com Lord Falconer of Thoroton, chefe do Departamento Constitucional do Reino Unido, com quem conversou sobre a reforma do judiciário brasileiro.

Solicitamos formalmente mais detalhes sobre os objetivos da visita do Ministro à Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça. Recebemos resposta pelo Oficio No. 100/SRJ datado de 24 de maio de 2005, do qual ressaltamos o seguinte parágrafo:

“Dessa forma, é importante para o país conhecer as medidas aplicadas no sistema britânico (“common law”) que contribuíram para o aprimoramento dos serviços jurisdicionais e verificar aquelas que poderão ser implementadas no sistema judiciário brasileiro a fim de agilizar e modernizar os serviços prestados, bem como, para ampliar o acesso justiça.”

Seria inimaginável que especialistas ingleses recomendassem a manutenção do estado atual do sistema judiciário de Pindorama. Temos o direito de ter esperança que os contatos com os especialistas britânicos sejam ampliados numa bem vinda busca da transformação do sistema judiciário brasileiro de sua hiper codificação pretensiosa e dogmática, “da herança a anarquia e o caos jurisprudencial que acompanharam a história do direito português” derivado da lei romana, em um sistema o mais próximo possível das tradições da “Common Law” inglesa, que pelos seus sumários e compilações ajudaram no século XVIII “a transformar a miríade de casos decididos em um sistema cotidiano extremamente viável ” (Daniel Boorstin). E que essa busca não se transforme numa guerra de cem anos.

O Ministro da Justiça e o Secretário da Reforma do Judiciário devem conhecer o seguinte trecho do capítulo dedicado a “Common Law” na História dos Povos de Língua Inglesa de Winston Churchill (1956):

“Sob a lei romana e sistemas dela derivados , um julgamento naqueles séculos turbulentos e em alguns paises mesmo hoje, é com freqüência uma inquisição. O juiz faz sua própria investigação sobre o mal feito civil ou o crime público, e essa investigação é extremamente fora de controle. O suspeito pode ser interrogado privadamente. Ele deve responder todas as perguntas feitas. É limitado o seu direito de ser representado por um consultor legal. A testemunha contra ele pode testemunhar em segredo e sem a sua presença. E somente quando esses procedimentos tiverem sido cumpridos a acusação ou a indiciação contra ele é formulada e publicada. Assim freqüentemente acontecem intimidações secretas, confissões forçadas, tortura, e confissões de culpa por chantagem. Esses perigos sinistros foram extintos da “Common Law” da Inglaterra há mais de seis séculos”.

Em outro trecho do mesmo capítulo Churchill escreveu : “Sumários, compilações e códigos impostos ao modo romano, por um estado onipotente, sobre o povo eram estranhos ao espírito e tradições da Inglaterra.”



SÚMULA VINCULANTE VERSUS PRECEDENTE

Custamos mas aprendemos que SÚMULA VINCULANTE e PRECEDENTES são coisas completamente diferentes. Com um jovem advogado estudioso aprendemos que Precedente é o próprio caso já julgado. No Brasil apenas subsidia o novo julgamento. Nos paises onde prevalece a “Common Law” o precedente VINCULA o novo julgamento, não sendo possível decidir de outra maneira. A Súmula é um enunciado que indica como aquele dado caso vem sendo julgado por determinado tribunal. Um aviso de que se o caso for apreciado naquele tribunal, será julgado daquela forma. Na reforma aprovada, as decisões do Supremo Tribunal Federal, somente a partir de determinada maioria naquela corte, passam a VINCULAR os julgamentos das instâncias inferiores, impedindo sentenças discordantes.

Enfim, Winston Churchill se tomasse conhecimento desse pequeníssimo avanço tentado no Brasil, certamente o qualificaria como sendo de amplitude insuficiente. Uma pífia redução nos “perigos sinistros”.

Uma busca pela internet sob o nome “Súmula Vinculante” revelou em 100 telas sucessivas, 997 entradas ! Num acesso aleatório, logo nas primeiras entradas, encontramos no artigo de Ronaldo Rebello de Brito Poletti- Súmula Vinculante - o seguinte trecho:

“A súmula, posto que abrisse uma fenda pequena no sistema romanista e refletisse uma conseqüência da adoção temperada do modelo constitucional dos Estados Unidos da América, não era propriamente uma concessão plena ao Common Law, apesar da inequívoca influência deste sistema. Sua finalidade era a de ‘proporcionar maior estabilidade à jurisprudência,mas também facilitar o trabalho dos advogados e do Tribunal, simplificando o julgamento das questões mais freqüentes’.”

Mais adiante Brito Poletti continua: “... Não é, certamente, uma capitulação ao Common Law, porém indicio de sua influência consubstanciada em uma caricatura.”

Não podemos atinar porque o autor só se referiu ao “modelo constitucional dos Estados Unidos da América”. Deveria ter feito referência à “Common Law” no Reino Unido e em todos os paises da Ásia, da Oceania e da África que adotaram esse caminho. Nos E.U.A. o sistema judiciário conservou a “Common Law”. Escapou, na segunda década do século XIX, das recomendações de Jeremy Bentham pela adoção de sistemas codificados que ele próprio elaboraria. A pá de cal foi colocada em 1827 por George Bancroft ao dizer: “Deus nos livre do remédio extremo da codificação.”

Contudo, nos E.U.A aparecem sintomas de retrocesso em direção as coisas sinistras do sistema romanista, haja visto, por exemplo, a alentada e super codificada Lei Patriótica e sua margem para a aplicação de preocupantes atitudes e ações totalitárias.

De outros textos pinçados aleatoriamente das 977 entradas na internet, são notadas com mais freqüência, entre as argumentações contrárias à Súmula Vinculante, uma preocupação com a submissão dos juizes às decisões dos tribunais superiores, como se tal fato fosse uma catástrofe antidemocrática e um pecado contra a autonomia dos juízes. Consideramos sofismáticas essas alegações.



CÂNDIDAS SUGESTÕES



1 - A constituição aprovada para o Conselho Nacional de Justiça não o caracteriza como um órgão externo do poder judiciário. O corporativismo ficou explícito no momento em que as primeiras reuniões do Conselho foram mostradas ao vivo pelo Canal Justiça. Um apelante, provavelmente um dos primeiros, acreditando nas possibilidades menos formais de um propalado órgão externo, dirigiu-se por simples carta ao Conselho sobre seus pesadelos vividos com a justiça do trabalho. Contou-nos que a resposta foi rápida mas negativa. Constatou ele que em poucas semanas de vida o CNJ já havia criado uma parafernália ritualística com corregedores e tudo o mais que tinham direito, como um modelo reduzido do próprio sistema judiciário que pretendem controlar. O pobre e cândido apelante bateu numa parede. Se a criação do CNJ tivesse sido discutida mais amplamente com o movimento social – e não foi com a amplitude e profundidade devida - teria nascido com sua autonomia aumentada em relação aos poderes da república e, principalmente com maior representatividade da sociedade pela eleição de quantidade substancial dos seus membros por entidades do movimento social a serem definidas e por critérios a serem definidos. E que os eleitos pelo movimento social e pelo legislativo federal, após profunda análise curricular e ética, não fossem necessariamente profissionais do direito. Seria recomendável a ampliação do número de membros como na tabela abaixo:


Constituição Atual-Nova Constituição:Proposta / Alternativa

Magistrados 9 - 4 / 3

Advogados 2 - 3 / 2

Promotores 2 - 3 / 2

Cidadãos indicados
pelo Legislativo 2 - 4 / 2

Cidadãos eleitos
por entidades do
movimento social 0 - 7 / 6

TOTAL 15 21 / 15





2 - Na expectativa que os recentes contatos do Ministério da Justiça no Reino Unido vislumbraram a busca da transferência de conceitos e filosofia jurídica daquele país, propomos um novo caminho de transição que aproxime cada vez mais o sistema judiciário brasileiro das tradições da “Common Law”, abandonando “a anarquia e o caos jurisprudencial que acompanharam a história do direito português” e procedendo uma simplificação, possível nesse novo ambiente jurídico, na hiper codificação, buscando simultaneamente uma mutação nos comportamentos e costumes das novas gerações que se encaminharem para os cursos jurídicos nas universidades, modificando os currículos, priorizando as cadeiras de formação teórica, subindo vários degraus de qualidade nas cadeiras de formação humanística, introduzindo cadeiras de ciências físicas e matemáticas. E que esse processo de coleta da “miríade de casos decididos”, implementando um “sistema extremamente viável” não se transforme numa guerra de cem anos !



3 - Buscar uma radical abolição da linguagem supostamente técnica - aqui denominada de novilíngua - que, crescentemente, ao longo dos séculos XIX e XX, se constituiu em elemento de opressão e alienação da cidadania pelos magistrados e profissionais do direito.



4 - Coerentemente com a busca persistente da “Common Law”, substituir o aprovado, porém pretensioso, complicado e insuficiente conceito de Súmula Vinculante, pela adoção simples do conceito de PRECEDENTE, definido com simplicidade como “prévias decisões judiciais que devem ser seguidas nas cortes de justiça” .



5 - Ampliar a instituição dos júris populares a todos os processos criminais e aos processos cíveis e trabalhistas.



6 - Deverá ser somente do Conselho Nacional de Justiça, modificado como acima sugerido, a atribuição de analisar e definir as denominadas custas do sistema judiciário, inclusive os honorários e as “sucumbências”. A imensa discrepância histórica, agravada sem justificativa social ou econômica nas últimas duas décadas, em relação às remunerações de outras categorias profissionais de nível universitário, torna urgente a revisão, pelo CNJ, da tabela de honorários dos advogados, individualmente ou organizados em escritórios, além da periodicidade contratual do parcelamento dos mesmos ao longo da prestação dos serviços jurídicos, sendo abolidos quaisquer pagamentos a priori e limitado, em patamar percentual abaixo dos hoje costumeiros, os honorários nos denominados contratos de risco.



7 - A crise na qual se viram atolados, nos últimos 25 anos, a tecnologia e a engenharia brasileiras e os profissionais de engenharia, assalariados e pequenos e médios empreendedores, crise de “status”, emprego, salário e , sobretudo, motivação tecnológica, teve um ingrediente adicional, exacerbado mais recentemente, que tem colaborado sinistramente para inviabilizar empresas de tecnologia e engenharia, intensivas em mão-de-obra de nível superior, e para a ausência de qualquer vontade de empreendedores com algum capital:

A ambigüidade e a pouca clareza das leis vigentes que geram incertezas no tratamento da responsabilidade das pessoas jurídicas e das pessoas físicas gestoras diretas, principalmente frente à justiça do trabalho, investidores sem posições de gestão direta nas empresas, e até dos profissionais de engenharia participantes como consultores, com parcelas infinitesimais de ações, nos conselhos de administração.

Enfim, no cenário jurídico atual, ficam inviabilizados quaisquer empreendimentos novos ou o renascimento daqueles que corajosamente surgiram nos anos sessenta, setenta e oitenta e trouxeram grandes esperanças na busca de autonomia tecnológica para o país. Sem esquecermos o exagero das terceirizações como sinônimo de sub-emprego e sub-salário de um enorme contingente de profissionais de engenharia.

Existem projetos de lei tramitando no Congresso. Citamos dois deles: o de No. 2426, de agosto de 2003, apresentado pelo deputado Ricardo Fiúza e o de No. 5140, de maio de 2005, apresentado pelo deputado Marcelo Barbieri. Merecem consolidação e retoques.

Enfim é urgente uma revisão urgente da legislação, dando-lhe clareza, impedindo interpretações aleatórias e não uniformes dos magistrados de todas as instâncias, abrindo caminho para o emprego sem medo de profissionais de engenharia como consultores participantes de conselhos de administração de empresas e viabilizando a ação do empreendedor brasileiro que, aceitando os riscos, mas sem as ameaças que hoje o apavora, possa ter tranqüilidade na incorporação de novas empresas, sobretudo, reiteramos, nas diversas áreas de tecnologia e engenharia de ponta.



PROFISSIONAIS DO DIREITO E DE ENGENHARIA - TENDÊNCIAS



Não se pretende afirmar que a quantidade de novos profissionais de engenharia e direito graduados ou de estudantes que ingressam nas respectivas faculdades anualmente,em um dado período, seja um parâmetro que permita diagnosticar alguma correlação absoluta com o desenvolvimento econômico do país ou com o inchamento do poder judiciário.

Mas não temos dúvida que podemos tirar algumas conclusões, quiçá óbvias, sobre o resultado da estagnação econômica, industrial e tecnológica no país há aproximadamente 25 anos. De 1980 a 2004 o PIB cresceu 65,79%,isto é, uma média anual de 2,128%. De 1990 a 2004 , cresceu 41,91% ou uma média de 2,53%. No decênio 1980-1990, entretanto, a média anual foi de 1,57%. Na década 1970-1980 a média anual foi 8,63% !

Dados sobre a quantidade de profissionais de engenharia graduados no período 1970-2004 mereceria uma busca mais ampla pelas faculdades do país. Contudo, os dados obtidos da Escola Politécnica da UFRJ são bons indicadores. Se for olhada a quantidade total de engenheiros formados na Politécnica de 1970 a 2004, esse valor poderia merecer ufanismo. Nesses 34 anos formaram-se 11729 engenheiros de diversas especialidades ou 56,7 % dos engenheiros formados desde 1874 quando a faculdade passou a se denominar Escola Polytechnica do Rio de Janeiro. Entretanto, vamos examinar, ficar tristes e preocupados com a tendência a cada sub-período ao largo dos 34 anos. Esses sub-períodos não são uniformes, isto é, o gráfico mostrando a graduação de engenheiros a cada ano mostra claramente três sub-períodos: 1970-1979 (10 anos); 1980-1986 (7 anos); 1987- 2004 (18 anos). Em resumo e sem necessidade de comentários:


Periodo-Total de Graduados- Média Anual-%
1970-1979 - 4.352 - 435 - 100
1980-1986 - 2.404 - 343 - 78,85
1987-2004 - 4.973 - 277 - 63,6

Fonte: Escola Politécnica - UFRJ


Não conseguimos da Faculdade de Direito da UFRJ, ainda conhecida pelo seu nome estadonovista, Faculdade Nacional de Direito, os dados sobre bacharéis graduados no mesmo período 1970-2004. Matéria publicada no Caderno Dinheiro da Folha de S. Paulo no domingo, 10 de abril de 2005 informou a quantidade total de estudantes matriculados nos cursos de engenharia e direito no período 1998 – 2003 em todo o país.Em 1998 entraram para as faculdades de direito 257408 estudantes; em 2003, 564681. Uma taxa de crescimento anual médio de 17 %, isto é, uma tendência de dobrar o contingente a cada 4 anos.

Em contrapartida entraram para as faculdades de engenharia 150217 estudantes em 1998, subindo para 279716 em 2002 (taxa de crescimento anual de 16,8%) , contudo recuando em 2003 para 234641 novos futuros engenheiros, reduzindo a tendência de taxa anual de crescimento, ponto a ponto (1998 –2003), para 9,32%. Não seria exagerado afirmar que a corporação dos profissionais de engenharia, em crise, deixou ou foi expelida do grupo de profissões de nível superior ou, citando o Professor Edmundo Campos Coelho, a “aristocracia ocupacional com seus monopólios, privilégios e mecanismos de representação de interesses corporativos”, ficando esses, exacerbados, nas mãos dos profissionais do direito.

Um estudo mais profundo deveria levar em conta a evasão ao longo dos 10 períodos dos cursos de engenharia e direito . Mas , os dados aqui resumidos confirmam uma redução preocupante do contingente de engenheiros num país que precisa deles para se desenvolver com autonomia tecnológica. Por outro lado, 330040 mais estudantes de direito do que de engenharia entraram nas universidades brasileiras em 2003. Mesmo levando em conta a média de 10 a 12% de aprovados nos exames das OAB’s, esse cenário é bem indicativo do inchamento ainda mais acelerado do sistema judiciário nos últimos 35 anos do que inchou nos 148 anos precedentes a partir de 1822.



Referências:

BOORSTIN, Daniel J. 1996. The Mysterious Science of the Law. The University of Chicago Press, Chicago (primeira edição 1941).

CABRAL RAMOS FILHO, Olavo 2004. Uma Guerra que Pode Durar Cem Anos. Monitor Mercantil, Opinião, 28/12/2004.

CHURCHILL, Winston S. 1974. A History of the English-Speaking Peoples. Cassel-London (primeira edição 1956).

COELHO, Edmundo Campos 1999. As Profissões Imperiais- Medicina, Engenharia e Advocacia no Rio de Janeiro 1822-1930. Editora Record, Rio de Janeiro-São Paulo.

LOWY, Michael 2005. Franz Kafka, Sonhador Insubmisso. Azougue Editorial (tradução de Gabriel Cohn).


OCRF/ 2005

Nenhum comentário: