terça-feira, 2 de dezembro de 2008

O SISTEMA JUDICIÁRIO BRASILEIRO - Um imenso e permanente potencial para o totalitarismo - 2005

Olavo Cabral Ramos Filho
Engenheiro - Membro do Conselho Diretor do Clube de Engenharia


“Blackstone (William) fez mais do que qualquer outro autor nos paises de língua inglesa para reduzir o monopólio dos advogados do conhecimento da lei”

“Sua exposição da constituição e da ‘Common Law’ britânica foi tão bem explicada, tão didática e tão atraente, que os americanos nunca foram tentados a elaborar para seu país codificações pretensiosas e dogmáticas”

Daniel Boorstin – Historiador americano no livro “A Misteriosa Ciência da Lei”.



“K. vivia, no entanto, num estado regido pelo direito, em todo lugar reinava a paz,

todas as leis estavam em vigor, quem ousava agredi-lo em casa ?”

Franz Kafka, em “O Processo”.



INTRODUÇÃO

Em nenhum momento um profissional de tecnologia e engenharia, que se arvorasse em analisar o sistema judiciário do país, poderia lançar-se ao inatingível fundo de poço em busca de alguma pertinência nos intricados, hiper codificados e hiper interpretados caminhos trilhados por esse sistema. Isto é, enquanto profissional de engenharia deve deixar claro que será inútil os juristas, advogados, magistrados, procuradores e as OAB’s responderem à suas análises e propostas com desclassificações atribuídas a sua ignorância jurídica. Não sendo e não pretendendo ser especialista, assumimos tranqüilamente essa ignorância.

Os contatos que nossos colegas da área de engenharia legal tem com os operadores do poder judiciário, nos trazem histórias sobre o bom conceito dos engenheiros naqueles ambientes. Mas somos submetidos a uma falsa premissa. Atribuem-nos apressadamente eterna e inamovível lógica cartesiana. Apregoam que a lei, sua interpretação e aplicação trilham caminhos menos lógicos, mais “misteriosos” que os engenheiros deviam evitar. Essa premissa torna-se cada vez mais equivocada na medida que, sobretudo a partir dos últimos anos do século XX, os sistemas com que lidam os profissionais de engenharia passam daqueles newtonianos, onde impera a certeza ou a probabilidade de 100%, para aqueles nos quais a probabilidade da ocorrência de eventos está longe de 100% ou até a “nova ciência” que trata dos fenômenos nos quais a probabilidade de um evento acontecer não é nem 100% nem mesmo é consistente ao longo do tempo.

Mas não é o conhecimento dessa “nova ciência” o único atributo que nos credencia a opinar sobre a parafernália que aflige o sistema judiciário brasileiro. Muito mais temos o direito de nos pronunciar como um conjunto de cidadãos de nível universitário massacrados pela escassez de emprego, a degeneração dos salários e do “status”, a ausência de motivação tecnológica gerados por uma estagnação econômica de 25 anos marginalmente sentida, por razões óbvias, pelos profissionais do direito. Enfim, não exageramos se afirmarmos que nos pronunciamos como parte do majoritário contingente de cidadãos que vêem o sistema judiciário inchar continuamente, num cenário de mistério e realismo fantástico, incorporando nesse processo crescentes características autoritárias. Não somente autoritárias. Entre os poderes da república, aquele que a cidadania vê trilhar caminhos com nítidos e crescentes sintomas totalitários.

Contatos com uma representativa parcela dos profissionais do direito, desde que se iniciou o processo denominado reforma do judiciário, convenceu-nos da enorme dificuldade na busca de quaisquer mudanças mais profundas que fossem além de simples retoques na gestão do sistema judiciário brasileiro. Mais difícil ainda é o dialogo conceitual. Isto é, diversos profissionais do direito, magistrados e suas entidades representativas, rebatem quaisquer sugestões de simplificação das tradições romanas de hiper codificação e dos tortuosos caminhos jurídicos. Enfim, tentam sempre desqualificar e alienar o simples cidadão não profissional do direito. Sobretudo quando esse, por terrível infelicidade, torna-se um cliente. Ao contrário da inexorável necessidade de, em algum momento da vida, nos tornarmos clientes de profissionais da medicina, como seria boa uma eterna e permanente desnecessidade dos serviços de advogados. No caso da medicina a liberdade do cidadão não estaria em poder escolher seu médico. Num sistema de saúde de alta qualidade a liberdade estaria em não ser necessário escolher o médico. No caso dos advogados a liberdade seria nunca precisar de advogados.

Merece ser citado um diálogo específico: ponderava um cidadão com um profissional do direito sobre a sobrecarga do STF. Deu um simples exemplo de um processo trabalhista de cobrança de direitos pecuniários de um empregado, demissionário ou demitido, que, por ventura, havia subido aquela corte. Pensava o cidadão que o profissional do direito concordasse com o absurdo dessa tramitação. Surpreendeu-se ao ouvir que mesmo esse caso poderia ter implicações constitucionais. Usando terminologia técnica da engenharia de sistemas de controle, afirmamos que o “interface” de comunicação é extremamente bloqueado e angustiante. Sem exagero, diríamos inviável. Mas, mesmo nesse dramático cenário tão bem mostrado na obra de Franz Kafka em toda pujança do seu totalitarismo, ousaremos nos pronunciar.

Pode parecer quixotesco propor o arrombamento radical das “portas da lei” brasileira. Michael Lowy no seu livro Franz Kafka - Sonhador Insubmisso analisa a perfeição todos os aspectos da parábola Diante da Lei incluída n’O Processo e publicada isoladamente em vida do escritor. Não faltaram interpretações daquela misteriosa e aparentemente indevassável estória. O amigo do escritor, Felix Weltsch, afirmou em artigo publicado em 1927: “o homem do campo malogrou porque não quis tomar o caminho rumo à Lei atravessando essa porta sem autorização. Em outros termos, o homem do campo deixou-se intimidar: não é a força que o impede de entrar, mas o medo, a falta de confiança em si, a falsa obediência à autoridade, a passividade submissa.”

Não é quixotesco propor o arrombamento, a travessia da barreira. Não vamos implorar o direito de entrar. O medo contido nesse ato submisso é que dá o direito aos guardiões do sistema judiciário brasileiro de nos barrar o caminho.



UMA PEQUENA HISTÓRIA A PARTIR DA INDEPENDÊNCIA

Apelamos para o que nos ensina o professor Edmundo Campos Coelho, falecido em 2001, no seu livro As Profissões Imperiais – Medicina, Engenharia e Advocacia no Rio de Janeiro – 1822-1930. O sistema judiciário brasileiro, a partir da independência, pode ser muito bem entendido pela leitura das 40 páginas do quinto capítulo do livro - “A maçonaria de Quincas, o Belo”. Temos uma excelente visão sobre a corporação. Aliás, sobre os engenheiros, ao capítulo 6, com 31 páginas, foi dado o título de “A apoteose de Madame Labat”.

Transcrevemos curto texto no início do capítulo 5: “Além das Ordenações Filipinas, conjunto de leis compiladas e sistematizadas em 1603, o Brasil também adotava pela carta de Lei de 20 de outubro de 1823 um vasto e disperso corpo de disposições legais que igualmente não coubera nas Ordenações anteriores, as chamadas leis extravagantes. Ademais, e este é o ponto principal, faziam parte da herança a anarquia e o caos jurisprudencial que acompanharam a história do direito português.

Edmundo Campos Coelho transcreve integralmente o texto da Carta de Lei de 23 de maio de 1821, o Aviso de 28 de agosto de 1822 e a Carta de Lei de 23 de setembro de 1828. A primeira dessas leis é um belo documento de garantia dos direitos individuais contra o arbítrio. Apesar de formas de linguagem do inicio do século XIX, aquelas leis tem um texto surpreendentemente claro em linguagem fácil de ser entendida por simples mortais, que poderia fazer prever um destino promissor nesse aspecto. Foi uma esperança frustrada como ficou demonstrado pela peculiar novilíngua cifrada dos juristas, advogados e magistrados mais modernos, alcançando o paroxismo nos 2046 artigos do Código Civil, 1220 do Código do Processo Civil, 811 do Código de Processo Penal, 361 do Código Penal, 218 do Código Tributário e mais os 922 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), podendo essas quantidades crescerem, para espanto dos profissionais do direito dos paises de tradição da “Common Law”, se nos dermos o trabalho de contar parágrafos e incisos. Pior, até porque centenas de artigos referem-se às leis que os regulamentam, pois nem tudo está esgotado nos códigos; são centenas de leis chamadas extravagantes (ver citação acima) que são mudadas com esquizofrênica freqüência. Contudo, com raras exceções, não se nota nenhum desgosto dos profissionais do sistema com esse estado de coisas ao se discutir o que se passou a denominar “A Reforma do Judiciário”. As propostas somente tangenciam as causas. Tudo parece se resumir em reformas na gestão do poder judiciário ou, como a imprensa noticiou no inicio de abril de 2005, na escolha de estilistas para desenharem togas mais modernas e apropriadas ao clima tropical. Nenhuma mutação radical é proposta pela maioria dos magistrados de todas as instâncias a começar pelo STF, procuradores do ministério público, defensores públicos, juristas e advogados privados, individualmente ou através das OAB’s e o mais do que centenário Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) que Joaquim Nabuco denominou de “maçonaria de honra”. Ouvem-se exclamações de indignação e a usual desqualificação por ignorância jurídica, quando se ousa propor a aplicação simples do conceito de PRECEDENTES, significando, como no Reino Unido, simplesmente: “Prévias decisões judiciais que devem ser seguidas nas cortes de justiça”. Em contrapartida a escassa abrangência aprovada pelo Senado do que se denominou “Súmula Vinculante”. Essa resistência é resumida pela professora Maria Teresa Sadek em entrevista publicada pela Folha de S. Paulo em 10 de novembro de 2003: “o próprio judiciário assumiu muito mais como uma força de contenção. Mexeu mais no poder de não deixar as coisas andarem.”



HISTÓRIA MAIS RECENTE

Na seção Notícias da página eletrônica do Ministério da Justiça foi informado que na sexta-feira 8 de abril de 2005 o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, manteve encontros com representantes do Judiciário britânico e especialmente com Lord Falconer of Thoroton, chefe do Departamento Constitucional do Reino Unido, com quem conversou sobre a reforma do judiciário brasileiro.

Solicitamos formalmente mais detalhes sobre os objetivos da visita do Ministro à Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça. Recebemos resposta pelo Oficio No. 100/SRJ datado de 24 de maio de 2005, do qual ressaltamos o seguinte parágrafo:

“Dessa forma, é importante para o país conhecer as medidas aplicadas no sistema britânico (“common law”) que contribuíram para o aprimoramento dos serviços jurisdicionais e verificar aquelas que poderão ser implementadas no sistema judiciário brasileiro a fim de agilizar e modernizar os serviços prestados, bem como, para ampliar o acesso justiça.”

Seria inimaginável que especialistas ingleses recomendassem a manutenção do estado atual do sistema judiciário de Pindorama. Temos o direito de ter esperança que os contatos com os especialistas britânicos sejam ampliados numa bem vinda busca da transformação do sistema judiciário brasileiro de sua hiper codificação pretensiosa e dogmática, “da herança a anarquia e o caos jurisprudencial que acompanharam a história do direito português” derivado da lei romana, em um sistema o mais próximo possível das tradições da “Common Law” inglesa, que pelos seus sumários e compilações ajudaram no século XVIII “a transformar a miríade de casos decididos em um sistema cotidiano extremamente viável ” (Daniel Boorstin). E que essa busca não se transforme numa guerra de cem anos.

O Ministro da Justiça e o Secretário da Reforma do Judiciário devem conhecer o seguinte trecho do capítulo dedicado a “Common Law” na História dos Povos de Língua Inglesa de Winston Churchill (1956):

“Sob a lei romana e sistemas dela derivados , um julgamento naqueles séculos turbulentos e em alguns paises mesmo hoje, é com freqüência uma inquisição. O juiz faz sua própria investigação sobre o mal feito civil ou o crime público, e essa investigação é extremamente fora de controle. O suspeito pode ser interrogado privadamente. Ele deve responder todas as perguntas feitas. É limitado o seu direito de ser representado por um consultor legal. A testemunha contra ele pode testemunhar em segredo e sem a sua presença. E somente quando esses procedimentos tiverem sido cumpridos a acusação ou a indiciação contra ele é formulada e publicada. Assim freqüentemente acontecem intimidações secretas, confissões forçadas, tortura, e confissões de culpa por chantagem. Esses perigos sinistros foram extintos da “Common Law” da Inglaterra há mais de seis séculos”.

Em outro trecho do mesmo capítulo Churchill escreveu : “Sumários, compilações e códigos impostos ao modo romano, por um estado onipotente, sobre o povo eram estranhos ao espírito e tradições da Inglaterra.”



SÚMULA VINCULANTE VERSUS PRECEDENTE

Custamos mas aprendemos que SÚMULA VINCULANTE e PRECEDENTES são coisas completamente diferentes. Com um jovem advogado estudioso aprendemos que Precedente é o próprio caso já julgado. No Brasil apenas subsidia o novo julgamento. Nos paises onde prevalece a “Common Law” o precedente VINCULA o novo julgamento, não sendo possível decidir de outra maneira. A Súmula é um enunciado que indica como aquele dado caso vem sendo julgado por determinado tribunal. Um aviso de que se o caso for apreciado naquele tribunal, será julgado daquela forma. Na reforma aprovada, as decisões do Supremo Tribunal Federal, somente a partir de determinada maioria naquela corte, passam a VINCULAR os julgamentos das instâncias inferiores, impedindo sentenças discordantes.

Enfim, Winston Churchill se tomasse conhecimento desse pequeníssimo avanço tentado no Brasil, certamente o qualificaria como sendo de amplitude insuficiente. Uma pífia redução nos “perigos sinistros”.

Uma busca pela internet sob o nome “Súmula Vinculante” revelou em 100 telas sucessivas, 997 entradas ! Num acesso aleatório, logo nas primeiras entradas, encontramos no artigo de Ronaldo Rebello de Brito Poletti- Súmula Vinculante - o seguinte trecho:

“A súmula, posto que abrisse uma fenda pequena no sistema romanista e refletisse uma conseqüência da adoção temperada do modelo constitucional dos Estados Unidos da América, não era propriamente uma concessão plena ao Common Law, apesar da inequívoca influência deste sistema. Sua finalidade era a de ‘proporcionar maior estabilidade à jurisprudência,mas também facilitar o trabalho dos advogados e do Tribunal, simplificando o julgamento das questões mais freqüentes’.”

Mais adiante Brito Poletti continua: “... Não é, certamente, uma capitulação ao Common Law, porém indicio de sua influência consubstanciada em uma caricatura.”

Não podemos atinar porque o autor só se referiu ao “modelo constitucional dos Estados Unidos da América”. Deveria ter feito referência à “Common Law” no Reino Unido e em todos os paises da Ásia, da Oceania e da África que adotaram esse caminho. Nos E.U.A. o sistema judiciário conservou a “Common Law”. Escapou, na segunda década do século XIX, das recomendações de Jeremy Bentham pela adoção de sistemas codificados que ele próprio elaboraria. A pá de cal foi colocada em 1827 por George Bancroft ao dizer: “Deus nos livre do remédio extremo da codificação.”

Contudo, nos E.U.A aparecem sintomas de retrocesso em direção as coisas sinistras do sistema romanista, haja visto, por exemplo, a alentada e super codificada Lei Patriótica e sua margem para a aplicação de preocupantes atitudes e ações totalitárias.

De outros textos pinçados aleatoriamente das 977 entradas na internet, são notadas com mais freqüência, entre as argumentações contrárias à Súmula Vinculante, uma preocupação com a submissão dos juizes às decisões dos tribunais superiores, como se tal fato fosse uma catástrofe antidemocrática e um pecado contra a autonomia dos juízes. Consideramos sofismáticas essas alegações.



CÂNDIDAS SUGESTÕES



1 - A constituição aprovada para o Conselho Nacional de Justiça não o caracteriza como um órgão externo do poder judiciário. O corporativismo ficou explícito no momento em que as primeiras reuniões do Conselho foram mostradas ao vivo pelo Canal Justiça. Um apelante, provavelmente um dos primeiros, acreditando nas possibilidades menos formais de um propalado órgão externo, dirigiu-se por simples carta ao Conselho sobre seus pesadelos vividos com a justiça do trabalho. Contou-nos que a resposta foi rápida mas negativa. Constatou ele que em poucas semanas de vida o CNJ já havia criado uma parafernália ritualística com corregedores e tudo o mais que tinham direito, como um modelo reduzido do próprio sistema judiciário que pretendem controlar. O pobre e cândido apelante bateu numa parede. Se a criação do CNJ tivesse sido discutida mais amplamente com o movimento social – e não foi com a amplitude e profundidade devida - teria nascido com sua autonomia aumentada em relação aos poderes da república e, principalmente com maior representatividade da sociedade pela eleição de quantidade substancial dos seus membros por entidades do movimento social a serem definidas e por critérios a serem definidos. E que os eleitos pelo movimento social e pelo legislativo federal, após profunda análise curricular e ética, não fossem necessariamente profissionais do direito. Seria recomendável a ampliação do número de membros como na tabela abaixo:


Constituição Atual-Nova Constituição:Proposta / Alternativa

Magistrados 9 - 4 / 3

Advogados 2 - 3 / 2

Promotores 2 - 3 / 2

Cidadãos indicados
pelo Legislativo 2 - 4 / 2

Cidadãos eleitos
por entidades do
movimento social 0 - 7 / 6

TOTAL 15 21 / 15





2 - Na expectativa que os recentes contatos do Ministério da Justiça no Reino Unido vislumbraram a busca da transferência de conceitos e filosofia jurídica daquele país, propomos um novo caminho de transição que aproxime cada vez mais o sistema judiciário brasileiro das tradições da “Common Law”, abandonando “a anarquia e o caos jurisprudencial que acompanharam a história do direito português” e procedendo uma simplificação, possível nesse novo ambiente jurídico, na hiper codificação, buscando simultaneamente uma mutação nos comportamentos e costumes das novas gerações que se encaminharem para os cursos jurídicos nas universidades, modificando os currículos, priorizando as cadeiras de formação teórica, subindo vários degraus de qualidade nas cadeiras de formação humanística, introduzindo cadeiras de ciências físicas e matemáticas. E que esse processo de coleta da “miríade de casos decididos”, implementando um “sistema extremamente viável” não se transforme numa guerra de cem anos !



3 - Buscar uma radical abolição da linguagem supostamente técnica - aqui denominada de novilíngua - que, crescentemente, ao longo dos séculos XIX e XX, se constituiu em elemento de opressão e alienação da cidadania pelos magistrados e profissionais do direito.



4 - Coerentemente com a busca persistente da “Common Law”, substituir o aprovado, porém pretensioso, complicado e insuficiente conceito de Súmula Vinculante, pela adoção simples do conceito de PRECEDENTE, definido com simplicidade como “prévias decisões judiciais que devem ser seguidas nas cortes de justiça” .



5 - Ampliar a instituição dos júris populares a todos os processos criminais e aos processos cíveis e trabalhistas.



6 - Deverá ser somente do Conselho Nacional de Justiça, modificado como acima sugerido, a atribuição de analisar e definir as denominadas custas do sistema judiciário, inclusive os honorários e as “sucumbências”. A imensa discrepância histórica, agravada sem justificativa social ou econômica nas últimas duas décadas, em relação às remunerações de outras categorias profissionais de nível universitário, torna urgente a revisão, pelo CNJ, da tabela de honorários dos advogados, individualmente ou organizados em escritórios, além da periodicidade contratual do parcelamento dos mesmos ao longo da prestação dos serviços jurídicos, sendo abolidos quaisquer pagamentos a priori e limitado, em patamar percentual abaixo dos hoje costumeiros, os honorários nos denominados contratos de risco.



7 - A crise na qual se viram atolados, nos últimos 25 anos, a tecnologia e a engenharia brasileiras e os profissionais de engenharia, assalariados e pequenos e médios empreendedores, crise de “status”, emprego, salário e , sobretudo, motivação tecnológica, teve um ingrediente adicional, exacerbado mais recentemente, que tem colaborado sinistramente para inviabilizar empresas de tecnologia e engenharia, intensivas em mão-de-obra de nível superior, e para a ausência de qualquer vontade de empreendedores com algum capital:

A ambigüidade e a pouca clareza das leis vigentes que geram incertezas no tratamento da responsabilidade das pessoas jurídicas e das pessoas físicas gestoras diretas, principalmente frente à justiça do trabalho, investidores sem posições de gestão direta nas empresas, e até dos profissionais de engenharia participantes como consultores, com parcelas infinitesimais de ações, nos conselhos de administração.

Enfim, no cenário jurídico atual, ficam inviabilizados quaisquer empreendimentos novos ou o renascimento daqueles que corajosamente surgiram nos anos sessenta, setenta e oitenta e trouxeram grandes esperanças na busca de autonomia tecnológica para o país. Sem esquecermos o exagero das terceirizações como sinônimo de sub-emprego e sub-salário de um enorme contingente de profissionais de engenharia.

Existem projetos de lei tramitando no Congresso. Citamos dois deles: o de No. 2426, de agosto de 2003, apresentado pelo deputado Ricardo Fiúza e o de No. 5140, de maio de 2005, apresentado pelo deputado Marcelo Barbieri. Merecem consolidação e retoques.

Enfim é urgente uma revisão urgente da legislação, dando-lhe clareza, impedindo interpretações aleatórias e não uniformes dos magistrados de todas as instâncias, abrindo caminho para o emprego sem medo de profissionais de engenharia como consultores participantes de conselhos de administração de empresas e viabilizando a ação do empreendedor brasileiro que, aceitando os riscos, mas sem as ameaças que hoje o apavora, possa ter tranqüilidade na incorporação de novas empresas, sobretudo, reiteramos, nas diversas áreas de tecnologia e engenharia de ponta.



PROFISSIONAIS DO DIREITO E DE ENGENHARIA - TENDÊNCIAS



Não se pretende afirmar que a quantidade de novos profissionais de engenharia e direito graduados ou de estudantes que ingressam nas respectivas faculdades anualmente,em um dado período, seja um parâmetro que permita diagnosticar alguma correlação absoluta com o desenvolvimento econômico do país ou com o inchamento do poder judiciário.

Mas não temos dúvida que podemos tirar algumas conclusões, quiçá óbvias, sobre o resultado da estagnação econômica, industrial e tecnológica no país há aproximadamente 25 anos. De 1980 a 2004 o PIB cresceu 65,79%,isto é, uma média anual de 2,128%. De 1990 a 2004 , cresceu 41,91% ou uma média de 2,53%. No decênio 1980-1990, entretanto, a média anual foi de 1,57%. Na década 1970-1980 a média anual foi 8,63% !

Dados sobre a quantidade de profissionais de engenharia graduados no período 1970-2004 mereceria uma busca mais ampla pelas faculdades do país. Contudo, os dados obtidos da Escola Politécnica da UFRJ são bons indicadores. Se for olhada a quantidade total de engenheiros formados na Politécnica de 1970 a 2004, esse valor poderia merecer ufanismo. Nesses 34 anos formaram-se 11729 engenheiros de diversas especialidades ou 56,7 % dos engenheiros formados desde 1874 quando a faculdade passou a se denominar Escola Polytechnica do Rio de Janeiro. Entretanto, vamos examinar, ficar tristes e preocupados com a tendência a cada sub-período ao largo dos 34 anos. Esses sub-períodos não são uniformes, isto é, o gráfico mostrando a graduação de engenheiros a cada ano mostra claramente três sub-períodos: 1970-1979 (10 anos); 1980-1986 (7 anos); 1987- 2004 (18 anos). Em resumo e sem necessidade de comentários:


Periodo-Total de Graduados- Média Anual-%
1970-1979 - 4.352 - 435 - 100
1980-1986 - 2.404 - 343 - 78,85
1987-2004 - 4.973 - 277 - 63,6

Fonte: Escola Politécnica - UFRJ


Não conseguimos da Faculdade de Direito da UFRJ, ainda conhecida pelo seu nome estadonovista, Faculdade Nacional de Direito, os dados sobre bacharéis graduados no mesmo período 1970-2004. Matéria publicada no Caderno Dinheiro da Folha de S. Paulo no domingo, 10 de abril de 2005 informou a quantidade total de estudantes matriculados nos cursos de engenharia e direito no período 1998 – 2003 em todo o país.Em 1998 entraram para as faculdades de direito 257408 estudantes; em 2003, 564681. Uma taxa de crescimento anual médio de 17 %, isto é, uma tendência de dobrar o contingente a cada 4 anos.

Em contrapartida entraram para as faculdades de engenharia 150217 estudantes em 1998, subindo para 279716 em 2002 (taxa de crescimento anual de 16,8%) , contudo recuando em 2003 para 234641 novos futuros engenheiros, reduzindo a tendência de taxa anual de crescimento, ponto a ponto (1998 –2003), para 9,32%. Não seria exagerado afirmar que a corporação dos profissionais de engenharia, em crise, deixou ou foi expelida do grupo de profissões de nível superior ou, citando o Professor Edmundo Campos Coelho, a “aristocracia ocupacional com seus monopólios, privilégios e mecanismos de representação de interesses corporativos”, ficando esses, exacerbados, nas mãos dos profissionais do direito.

Um estudo mais profundo deveria levar em conta a evasão ao longo dos 10 períodos dos cursos de engenharia e direito . Mas , os dados aqui resumidos confirmam uma redução preocupante do contingente de engenheiros num país que precisa deles para se desenvolver com autonomia tecnológica. Por outro lado, 330040 mais estudantes de direito do que de engenharia entraram nas universidades brasileiras em 2003. Mesmo levando em conta a média de 10 a 12% de aprovados nos exames das OAB’s, esse cenário é bem indicativo do inchamento ainda mais acelerado do sistema judiciário nos últimos 35 anos do que inchou nos 148 anos precedentes a partir de 1822.



Referências:

BOORSTIN, Daniel J. 1996. The Mysterious Science of the Law. The University of Chicago Press, Chicago (primeira edição 1941).

CABRAL RAMOS FILHO, Olavo 2004. Uma Guerra que Pode Durar Cem Anos. Monitor Mercantil, Opinião, 28/12/2004.

CHURCHILL, Winston S. 1974. A History of the English-Speaking Peoples. Cassel-London (primeira edição 1956).

COELHO, Edmundo Campos 1999. As Profissões Imperiais- Medicina, Engenharia e Advocacia no Rio de Janeiro 1822-1930. Editora Record, Rio de Janeiro-São Paulo.

LOWY, Michael 2005. Franz Kafka, Sonhador Insubmisso. Azougue Editorial (tradução de Gabriel Cohn).


OCRF/ 2005

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

O DRAGÃO RODRIGO - Peça em 3 atos e 8 cenas - Para crianças e alguns poucos adultos


Olavo Cabral Ramos Filho - (2002-2005)



Personagens por ordem de entrada:
- 5 soldados
- Dragão-bebê
- Dragão-mãe
- Monge Bedezeu
- Monge Patricioto
- Chefe Viking
- Dragão-avô
- Capitão Diogo Cão
- Mestre Zacuto
- Ator 1
- Glocester
- Marinheiro
- Rodriwin (dragão adulto)
- Índio 1
- Índio 2
- Olavinho
- Babá
- Muitos índios, índias, curumins
- Muitos homens brancos

Primeiro Ato
Cena 1
Uma praia da costa nordeste da Inglaterra, com rochedos. Um grupo de cinco soldados saxões armados, com cotas de malha e indumentárias coloridas. Avista-se ao longe uma igreja. Ano 793 da era comum. Raios e trovões no horizonte
Soldado 1: Há oito ou nove gerações estamos nesta ilha. Alguns sinais começaram a aparecer prenunciando tragédia.

Soldado 2:
(Apontando para a igreja) O monges de Lindsfarne estão inquietos. Rezam noite e dia.

Soldado 3:
Ouvi de um monge astrônomo, que passa as noites na torre, que já viu dois cometas e a explosão de uma estrela no céu.

Soldado 4:
( o mais velho com longas barbas) : Quando lutamos contra os galeses nas terríveis montanhas do oeste, prendemos um estranho velho sacerdote que dizia ter 200 anos. Dizia que os maiores portentos que anunciariam desgraças seriam dragões chegando do leste.

Soldado 5: Por São Jorge, como vamos fazer se eles forem carnívoros?

Os cinco Soldados em côro: Acontecerão há qualquer momento coisas terríveis, assustadoras, hediondas, sinistras, horríveis, dantescas, demoníacas, fantasmagóricas, extraordinárias e...e...e...e... dragônicas.

Apontam para o horizonte onde relâmpagos e trovões tornam-se mais freqüentes e violentos. De repente, voando baixo sobre o mar, dois dragões, um maior, dragão fêmea, outro menor, quase um bebê dragão. Voam em círculos sobre a praia. O soldados recuam quando aparecem e fogem correndo.

Cena 2
Os dragões pousam na praia. A dragão-mãe corre atrás dos soldados soltando fogo pela boca. Volta para junto do Dragão-bebê.

Dragão-mãe: Não podemos perder tempo aqui. Temos que chegar ao lago onde vive seu avô há 1000 anos. É mais ao norte, no meio das montanhas onde vive um povo pintado.

Dragão-bebê: Estou muito cansado. Será que o cavaleiro que cortou o pescoço de papai não veio atrás de nós ? Papai disse uma vez que esse lago na terra dos homens pintados era muito frio. Pensei que estávamos procurando um lago em terras mais quentes.

Dragão-mãe: O cavaleiro Uluf tem mais o que fazer. Espero que não venha para cá. Há uma lenda de uma terra no sul onde existe um lago salgado e quente, perto do mar, cercado de colinas azuis com florestas bem diferentes das que conhecemos. Vamos descansar no lago de seu avô e, um dia, voaremos para o sul e o calor.

Dragão-bebê: Estou com fome mamãe !!

Dragão-mãe: Não consegui pegar nenhum desses homens apetitosos. Mas, ainda pegarei um.

Dragão-bebê: Mãe, não gosto da carne dos homens.

Dragão-mãe: Que vergonha . Como vou contar para seu avô que você só come peixe, verduras e algas ? Você ainda vai provar e gostar de um homenzinho bem tostadinho pelo nosso fogo.

Dragão-bebê: Não consegui nunca por fogo pela boca.

O Dragão-mãe entra no mar e pega um peixe.

Dragão-mãe ( dá o peixe para o filho): Toma ai ! Não sei de quem você herdou essa mania de só comer peixe e verduras. Nos somos os últimos repteis voadores deste planeta que os homens nem sabem que é redondo e que gira em volta da estrela sol ( Começa a abanar as asas ). Vamos tratar de sair daqui. Os soldados vão voltar com muitos outros. Seu pai esteve nessas terras há muitos anos e contou-me que um soldado daqui, de nome George, era especialista em matar dragões.

O Dragão-bebê começa a comer o peixe. Mãe e filho voam, rodopiam sobre o mar, e somem no céu. Escurece a cena.

Cena 3
O mesmo cenário. Alguns meses depois. Aproxima-se um longo navio viking cheio de soldados louros e ruivos. Homens enormes. Dois soldados saxões e dois monges escondidos atrás de uma rocha observam os recém chegados. Os dois soldados fogem correndo e gritando. Os homens do norte apareceram. Os homens do norte estão vindo. O monges conversam enquanto saem.

Monge Bedezeu: Nosso superior agora vai acreditar que os cometas, a explosão da estrela e os dragões eram avisos de portentos, tragédias e uma mudança de tudo nessas nossas ilhas.

Monge Patricioto: Nosso superior já nos acusou de heresia, feitiçaria e mágica porque andamos repetindo os ensinamentos dos nossos ancestrais que agora estão escondidos nas montanhas de Gales, no fim da terra e junto com nossos irmãos da Galia.

Monge Bedezeu: Nada disso importa agora (Aponta para a igreja de Lindsfarne) Vamos avisar a todos. A primeira coisa que os gigantes do longo navio vão fazer é destruir nosso mosteiro. ( Ambos saem ).

O navio encosta na praia. Os soldados vikings desembarcam, correm em todas as direções procurando resistência. Como nada encontram reúnem-se em torno do soldado mais gordo. O chefe. Cantam e dançam com os escudos espadas e lanças..

Soldados (barítonos e baixos): Ninguém nos agüenta,
Ninguém nos aguenta,
Celtas, saxões, anglos,
Franceses, russos, alemães.
Até mesmo
Os sicilianos !
Os sicilianos !
Os sicilianos !!
E depois dessas ilhas
Até a Groenlândia e America
O vento na vela venta
O vento na vela venta
Ninguém nos agüenta
Ninguém nos agüenta.

Chefe Viking (Apontando a igreja ao longe com a espada): Todos comigo ! O monges já devem ter escapado. O povo também. Tomem conta de tudo que brilha e de todo trigo. Não esqueçam os barris de cerveja. Tragam tudo para o navio. O resto, queimem tudo. A igreja também. Esse dia ninguém esquecerá nessas belas ilhas. Os vikings saem cantando novamente. O coro continua durante algum tempo. A igreja ao longe começa a queimar. Escurece.

Cena 4
O fundo do lago na Escócia. Dragão-mãe. Dragão-bebê e o velho Dragão-avô estão sentados em diversas rochas, conversando. Passam peixes que são agarrrados e comidos pelos três. O Gragão-bebê é o que tem maior apetite.

Dragão-mãe: ( Para o filho) Não coma tanto. Você não está acostumado com os peixes daqui.

Dragão-bebê: (Dirigindo-se a mãe ) Estou com muita fome. Você não deixou mergulhar naquela praia.

Dragão-avô: Deixa o garoto comer o que quizer. Aqui no lago Ness vivem os mais gostosos peixes das ilhas. São pouco pescados. Todos esses homens pintados tem medo de pescar por minha causa. Tomei gosto pela carne deles. Já devorei mais de 500.

Dragão-mãe: Papai, você deve ter herdado esse gosto dos nosso ancestral Tiranorex. Há muitas gerações só comemos vegetais e peixes. As vezes alguns patos e gansos. Contando essas histórias você assusta o menino.

Nesse momento cai , afundando lentamente da superfície, um cavaleiro de armadura. Afunda tentando voltar a superficie. O Dragão-avô dá um pulo, agarra o cavaleiro esconde-se atrás de uma das rochas. O Dragão-bebê agarra-se a mãe.

Dragão-mãe: Papai ! Não faça isso.

Ouve-se o barulho de gritos. Pedaços da armadura são jogados para todos os lados. Volta o Dragão-avô lambendo os beiços. Cospe um pedaço da armadura.

Dragão-avô: Seriam mais apetitosos se não usassem todo esse ferro. É pior do que espinhas de peixe.

Dragão- bebê: (para a mãe, ainda soluçando) Não quero ficar morando aqui. Quero ir embora oara o lago quente que você me prometeu.

Dragão-avô: Esse garoto começa a me envergonhar ! Ainda por cima você deu-lhe o nome Uther , aquele maldito rei das terras do sul.

Dragão-mãe: (Consolando o filho) Mas temos que ficar aqui com seu avô mais 700 anos.
Escurece

Cena 5
O castelo de popa e parte do tombadilho de uma caravela portuguesa navegando no mar Tenebroso no final do século XV. Vê-se o mar azul com ondas calmas. O capitão Diogo Cão, outros cavaleiros e marinheiros. Os marinheiros sobem e descem pelas escadas de corda. No topo do mastro do tombadilho, um marinheiro olha o mar da cesta de observação. A caravela oscila lentamente, rangendo as cordas e madeiras. Um palco com cortinados coloridos está armado no convés. Atores ensaiam em silêncio.

Capitão Diogo Cão: (com o astrolábio na mão) Já passamos o cabo Bojador. Precisamos registrar nossa posição o mais corretamente possível. O príncipe D. Henrique instrui-me a não errar nos dados para nossas cartas de marear. Temos que ser muito cuidadosos. (Dá o astrolábio para o Mestre Zacuto ).

Mestre Zacuto: Tenho feito muitas medições todos os dias.

Pega o instrumento e pendura-o no tripé para iniciar a medição. Tropeça , cai derrubando tudo. Procura, desajeitadamente, levantar, cai novamente. Os marinheiros riem.

Capitão Diogo Cão: Zacuto, pelas barbas do seu profeta Elias. Esse é um astrolábio caríssimo de prata. Pertenceu ao Califa de Granada. Com ele quebrado as medições vão ficar uma porcaria e outros navegadores nunca conseguirão chegar às Índias. Não chegaremos nem ao fim desta África.(Com voz grossa e enfática) Quem nos dirige é a vontade Del Rei D. João II e de todo um povo que com ele quer descobrir o mundo.

Capitão Diogo Cão: Antes de completar as medições vamos assistir o grupo de teatro que viaja conosco.

Todos se sentam em poucas cadeiras e sobre caixas e rolos de corda. Zacuto continua mexendo no astrolábio. O capitão o repreende com gestos.

Um ator anuncia.

Ator 1: A vida malvada do rei Ricardo III que será escrita algum dia por autor mais genial e será representada – por atores menos ignorantes – Por enquanto contentemo-nos com nossos atores embarcados ( faz gesto de desânimo ) . Distraiamo-nos ( olha os outros atores com gestos de medo) enquanto nossa caravela não caia nos abismos ou seja devorada por monstros.

Abre-se a cortina e aparece sozinho o Duque de Glocester (sic) , pés enormes , uma corcunda tão exagerada como o nariz.

Glocester : Agora o inverno do nosso descontentamento transformou-se num glorioso verão por esse sol de York, e todas as nuvens pesadas sobre nossa casa real são engolidas pelo seio profundo do oceano.

Parece esquecer o texto. Olha agoniado para os lados. Continua.

Glocester: ... Nossas cabeças estão envolvidas por coroas da derrota...

Voz atrás do palco: Idiota !! Coroas da vitória !!!

Glocester: ... Coroas da vitória ! Nossas espadas sem fio penduradas nos monumentos. ... Eu que sou feio sem as graças de um amante, deformado , inacabado, nascido antes do tempo, terminado pela metade...

Voz: Pulou uma parte enorme imbecil !!

Um lança aparece detrás do palco e é enfiada no traseiro de Glocester que sai correndo atrás do agressor. Caos total. O palco despenca. Risos e gritos. Mestre Zacuto, ainda entretido com o astrolábio, é atropelado e cai agarrado a Glocester.

Capitão Diogo Cão: ( tentando restabelecer a ordem) Parem imediatamente....

Nem termina a frase. O marinheiro vigia grita.

Marinheiro: Monstro marinho a bombordo nadando em nossa direção e outro, enorme chega voando.

Os marinheiros, ainda rindo do desastre teatral, ficam estáticos e , em seguida, começam a gritar e correr para todos os lados. Ajoelham-se e rezam em voz alta. As ondas começam a aumentar. O céu escurece. Zacuto se esconde num canto abandonando o astrolábio. Capitão Diogo Cão empurra o marinheiro da roda do leme e segura-a firmemente. O Dragão Rodriwin , agora enorme, sobe na murada da caravela. O Dragão-mãe chega voando, encarapitando-se no castelo da popa.

Rodriwin e a mãe soltam fumaça e depois fogo pela boca. Todos apavavorados menos o Capitão Diogo Cão.

Capitão Diogo Cão: (gritando para os dragões) Não adianta ! Nada tememos ! Porque manda a vontade que me ata ao leme ( corre e segura com força a roda do leme) , Del Rei D. João Segundo ! Del Rei D. João Segundo !!

Os marinheiros levantam-se já sem medo. Até Zacuto segura firmemente o astrolábio levantando-o em direção aos dragões. Cantam todos:

Manda a vontade,
Que me ata ao leme,
Del Rei D. João II
Sumam no mar profundo
Que será todo de
D. João II,
D. João II

Rodriwin e a mãe param de soltar fogo e fumaça, abanam as cabeças entreolhando-se, sacodem as asas e mergulham no mar Tenebroso. Relâmpagos e trovões, ondas ainda mais fortes. Ouve-se a voz de Rodriwin.

Rodriwin: Mãe, vamos embora . Quero chegar o mais rapidamente possível à lagoa quente que você prometeu na terra de Pindorama. Espero que esses loucos nunca cheguem lá.
Escurece. Cortina

Segundo Ato
Cena 1
As margens arenosas da lagoa de Sacopanepã . No fundo os morros que mais tarde seriam chamados de serra da Carioca e o Corcovado. Malocas de índios.
Indios e índias adultos e diversos curumins circulando, entrando e saindo das malocas. Dois índios sentados na margem da lagoa. Na lagoa aparece a cabeça de Rodriwin e , logo depois, do Dragão-mãe.

Indio 1: (olhando a lagoa e ficando em pé sem mostrar susto, alertando todos) Olhem lá ! Os espíritos do mar estão entrando na lagoa novamente como no tempo em que a lagoa era mar.

Indio 2: (abanando os braços para os dragões, acompanhado de todos, inclusive dos curumins; berra) É a profecia. É a profecia. Eles vão nos contar muitas coisas

Todos dançam. Rodriwin e a mãe saem lentamente da água. Sentam na areia das margens da lagoa. Todos dançam em volta. O Índio 2 canta.

Indio 2: Saco, saco, panepan
Saco, saco, panepan
Saco, saco, panepan
Ipa, Ipa, Ipa , nema
Ipa, ipa, ipa, nema
Copa, copa , na cabana
Copa, copa, na cabana

Todos cantam juntos. Rodriwin e a mãe soltam fogo pela boca. Todos param . Silêncio.

Rodriwin: ( um tanto tímido) Obrigado , obrigado.......

Dragão-mãe: ( cutucando o filho) Fala direito. Como prometi, aqui estamos longe do frio. Temos que agradar essa gente que não se assustou. Conta o que vimos no mar tenebroso.

Rodriwin: ( Segurando e torcendo o rabo) Bem , bem.... Estamos chegando de muito longe. Voamos muitos dias. Bem, bem..... ( a mãe o cutuca co força) Queremos morar nessa lagoa . Ela não é tão funda quanto o lago muito frio de onde viemos. Acho que tem peixe para todos na lagoa e no mar logo ali. ( dá um arroto com fogo e fumaça ) . Desculpe , desculpe....

Todos cantam: Saco, saco, panepan
Saco, saco, ipa, ipa
Copa, copa, nema, nema.

Índio 2 : ( pela plumagem parece ser o mais importante) Sempre os esperamos. Há mil luas a profecia era sabida. Com vocês teríamos finalmente paz com nossos 5 milhões de irmãos em todo Pindorama. Pindorama seria finalmente o paraíso.Podem ficar para sempre na lagoa, no mar , até na ilha branca das cagarras das gaivotas.

Dragão-mãe: Mas temos uma noticia que pode desmentir uma profecia tão boa. Quando voamos sobre o mar, encontramos um navio cheio de homens muito branquinhos, mas muito mau cheirosos. Depois de perder o medo gritaram que o mar era do rei deles. Rodriwin comentou que esperava que eles nunca chegassem aqui. Era um navio só. Mas , de onde vimos, sabemos que quando eles saem num navio, atrás virão mil navios.

A noite chegava. O céu foi ficando vermelho e depois escuro. Uma lua cheia nasceu.

Índio 2 : A profecia fala de um país distante. Era um mistério, pois sabemos que Pindorama está sozinho no mundo e no céu. A profecia falava do país de Portocal.

Rodriwin: ( começou a cantar , logo acompanhado de todos)

Saco, saco, copa , copa
Ipa, ipa, opa, opa
Pindo, pindo, rama, rama
Pindo, pindo, rama, rama
Quando vem de Portocal
Portocal, Portocal
É muito mau
Quanto mais mau
Mau, mau ,mau
Rodriwin e Dragão-mãe voltam lentamente para a lagoa mergulham desaparecendo. Todos os índios ficam estáticos cantando. Escurece pouco a pouco.

Cena 2
Mesma cena. Muitos índios, índias e curumins tratam dos seus afazeres diários. Repentinamente entra um homem branco de grandes barbas, de chapéu de plumas, arcabuz e espada. Entram muitos mais. Ficam estáticos. A cada um que entra um dos índios cai morto, até que a cena se enche de aparatosos colonizadores.Um grupo de índios tenta resistir, mas caem ao levantarem as bordunas. Os índios e curumins caem todos. Sobram algumas índias que continuam a tratar dos seus afazeres, cantando:

Porto , porto, cale, cale
Porto, porto, cale , cale
Pindo, pindo, rama, rama

Os homens brancos dançam e cantam cercando as índias

Porto, porto, cale, cale
Pindo, pindo, rama , rama
Bra, bra, sil , sil
Bra, bra, sil, sil.
Pindo, pindo, bra, bra
Sil, sil, sil

Rodriwin e Dragão-mãe saem da lagoa soltando fogo. Os homens brancos fogem levando as índias.

Escurece. Cortina

Terceiro Ato
Cena 1
As margens da lagoa, porém com uma rua e casas e um pequeno prédio onde se vê um cartaz: Bar Berlim. As portas de vidro do bar estão quebradas. Uma praia . Um menino sentado na areia pensativo. No alto do Corcovado a estátua do Cristo. Um barco a remo, com outros meninos passa e desaparece. Ainda se ouve o mesmo canto do final da Cena 2 do Segundo Ato. Na lagoa aparece a cabeça de Rodriwin aproximando-se da praia.

Rodriwin: O que você está pensando ?

Olavinho: Estava pensando porque nunca paramos de pensar. Você é igual aos dragões que aparecem nos meus sonhos. Porque não paramos nunca de sonhar quando dormimos ?

Rodriwin: Acordaram-me com uma gritaria , berros e vidros quebrados.

Olavinho: ( aponta para o bar ) Quebraram tudo. Foram os mais velhos.

Rodriwin: ( sentando-se ao lado do menino e dando baforadas de fumaça)
Porque ?

Olavinho: Meu pai contou-me que os tais de alemães afundaram navios de Pindorama. O dono do bar é alemão. Escondeu-se quando a turma quebrou tudo.

Rodriwin: Eu tenho um segredo que vou contar só para você. Tenho voado e nadado pelo mar. Além da ilha branca. Tenho visto muitos navios que andam debaixo dágua. Por trás das ilhas os marinheiros louros tomaram banho de mar muitas vezes. Várias vezes soltei muito fogo e queimei-os, explodi os navios. Minha mãe me contou que foram homens louros que mataram meu avô e meu pai. Mas menino, tenho que tratar de outro assunto muito sério. Tenho notado que você é muito tímido. Todos vem jogar futebol aqui na areia. Você fica sentado no portão de sua casa. Grudado no degráu. Sem coragem para atravessar a rua e pedir para jogar.

Olavinho: Tenho certeza que nunca atravessarei a rua. Gosto de ficar sozinho pensando em dragões . Sabia que encontraria um de verdade como você. ( fica de pé e começa a dar pulos). Você sabia que o Fluminense foi campeão no ano em que nasci. Foi bi-campeão. Foi tri –campeão no ano seguinte. Quando os homens louros que você viu no mar começaram uma guerra num mundo mais velho, muito longe daqui.

Rodriwin: Foi de lá que vim com minha mãe. Foi de lá que vieram os homens que mataram todos os índios que viviam em volta desta lagoa.

Uma voz chama o menino com insistência. Logo depois uma babá jovem , negra e bonita entra . Como se não visse Rodriwin, pega o menino pela mão e leva-o .

Babá: Aposto que você está conversando com esse tal de dragão Rodrigo que não sai da sua cabeça.

Rodriwin deita-se de costas, solta uma boa baforada de fumaça, passa , carinhosamente, a ponta da cauda na cabeça do menino. Sai voando.

Olavinho: ( para a Babá) Um dia vou lhe apresentar ao Rodriwin.

Babá: Como você inventa histórias ! É seu tio que põe essas coisas na sua cabeça.

Olavinho: Um dia vou para lua com ele. Já comprou passagens para nós dois. Rodrigo não precisa de passagem. Vai com a gente voando e protegendo o foguete.

Olavinho e a Babá saem. A Babá canta o samba “ Trabalhar eu não , eu não...” Entram outros meninos, índios, índias, mascarados, piratas, baianas, damas antigas, odaliscas, pierrôs, colombinas, uma banda inteira tocando o samba. Rodriwin ou Rodrigo estica o pescoço para fora dágua e canta também.

Rodriwin: ( Soltando fogo e tentando chamar a atenção ) Eu estou aqui !! Estou aqui !! Não tem jeito . Só o Olavinho consegue me ver.


Cortina

FIM

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

INTOLERÂNCIA NO PLANETA FORTÚITO

MELODRAMA EM UM ATO E DUAS CENAS
Olavo Cabral Ramos Filho - Janeiro 2007

Personagens:

- Palestrante.

- 50 clérigos de religiões teistas diversas.

- Um monge budista.

- Um Brâmane.

CENA 1


Um auditório muito moderno em anfiteatro. Cerca de 50 cadeiras. Todas ocupadas por clérigos católicos, ortodoxos gregos, pastores de várias denominações, rabinos ortodoxos e mullahs. Um só monge budista e um brâmane estão no auditório. A grande mesa no palco do auditório está ocupada por um só homem vestido com uma calça vermelha e camisa negra.
Os assistentes totalmente imóveis.

Palestrante: Atentem para um acontecimento que nos força a diagnosticar um acaso. O nosso planeta não poderia estar numa órbita mais conveniente. Melhor ainda, a curva elíptica dessa órbita é quase um circulo. Imaginem se a órbita fosse uma elipse muito alongada. A probabilidade de um inicio de vida seria muito baixa ! Nosso planeta não poderia estar em distância mais conveniente da estrela sol. Ele nem sempre esteve nessa órbita e nessa distância. Mas há alguns bilhões de anos, nem a órbita nem distância variaram muito. Não esqueçam também que nosso planeta, como Vênus e Mercúrio, não mostra sempre a mesma face virada para o sol. Ele gira com uma conveniente velocidade de rotação. Uma rotação completa a cada vinte quatro horas. Sempre foram 24 horas? Não. Há 4,5 bilhões de anos um grande impacto ejetou um pedaço da Terra. Formou-se a Lua. Por muito tempo a Lua girou em órbita muito mais próxima. Algo como cento e tantos mil quilômetros. O tempo de rotação muito menor que as confortáveis 24 horas. Pelas crateras lunares com as quais o homem convive com prazer estético, podemos dizer que nosso satélite foi um aparador de asteróides, salvando a Terra de muitos impactos. Por muito tempo as gigantescas ondas de marés sacudiram os oceanos criando condições para a conjugação molecular em direção ao aparecimento de vida orgânica. Ao contrário de tantos outros planetas do próprio sistema solar – que dizem vocês do gigantes gasosos – ou de Vênus com seu super efeito estufa há bilhões de anos? Ou Marte, digamos, com sua inviabilização precoce para vida...

Nesse momento dois assistentes, aleatoriamente, levantam-se . Fazem interjeições ininteligíveis e saem. O palestrante não interrompe. Continua sem notar o movimento.

Palestrante: ... Quantas vezes a vida pode surgir no nosso planeta. Um astro de sorte
(levanta a voz ao falar sorte)...

Mais dois assistentes grunhem, levantam-se e saem.



Palestrante: ... Quantas vezes a vida apareceu e foi extinta por causas lentas ou bruscas. Quatro ou cinco bilhões de anos atrás, aconteceram intensos bombardeios de asteróides e pequenos astros sólidos. A vida ficou difícil. De repente no sistema solar, ainda jovem, aconteceu um período de relativa paz cósmica, permitindo o florescimento de vida. Cada vez mais somos capazes de conhecer e descrever cientificamente (levanta a voz ao falar cientificamente) a história do nosso planeta...


Levantam-se e saem mais assistentes. Dessa vez o grunhir de desagrado foi mais alto.

Palestrante: ... Assim passaram-se outros bilhões de anos entre ressurgimentos e extinções. E assim continuou o planeta. No final do Permiano, há duzentos e cinqüenta e um milhões de anos, outra vez no final do Triássico, há duzentos e um milhões de anos a vida foi extinta. Parcialmente por sorte. Essas foram extinções com causas mais lentas. Há sessenta e cinco milhões de anos, de repente, um impacto de um asteróide de dez quilômetros de diâmetro causou em poucos dias uma extinção da vida vegetal e dramaticamente de uma biomassa de seres animais com tamanhos nunca mais repetidos..

Mais assistentes, agora silenciosamente, mas com gestos irados, saem.

Palestrante:... Foi esse asteróide caído onde hoje está a península de Yucatan no México que, podemos afirmar ter sido uma bela ironia do destino..... Mas lembrem-se que ironia do destino é uma imagem muito metafísica para o meu gosto.....

Mais assistentes saem, agora com grandes gritos e insultos de protesto,

Palestrante;...Enfim o asteróide nos permitiria descrever, com angustiantes dúvidas, um cenário de viabilização dos mamíferos na Terra e , consequentemente, milhões de anos depois, dos primatas, dos diversos hominídeos, do homo erectus, do homo sapiens de mais de uma espécie simultânea e do homo sapiens sapiens....

A audiência se agita. Gritos possessos. Bater de pés no chão. Frases em latim, grego, aramaico e hebraico vociferadas. Sae mais um grupo, antes passando na frente da mesa do palestrante e ameaçando-o.

Palestrante: ... (tossindo, engasgando, tomando água)... Posteriormente devem ter acontecido períodos de boa paz cósmica. Mas outros asteróides menos criminosos caíram. As marcas de alguns se tornaram quase invisíveis para o homo sapiens sapiens sem possibilidades de voar e ver a Terra de cima. Hoje, do ar e de órbita as marcas – e são muitas – deixam o homem preocupado com a possibilidade de repetições traumáticas. Algumas explosões de cometas ou pedaços de cometas deixaram marcas florestais efêmeras. Mas, ressalvadas as diversas glaciações, o mamífero homem viveu razoavelmente bem. Comeu muita proteína animal que, permitiu, dizem alguns pesquisadores, um consistente aumento do volume e da massa do cérebro...

Sae mais um grupo cantando e gesticulando ameaças.

Palestrante: ... Nada pôde ser provado sobre a impossibilidade de cruzamento fértil entre a espécie Neandertal instalado na Europa e o homo sapiens sapiens que em hordas lá chegou. Negros ao chegarem......

Debandada irritada de pastores evangélicos. Insultos onomatopaicos muito violentos.

Palestrante: ... Negros ao lá chegarem, conviveram com aquela robusta espécie que sobreviveu ao frio da última glaciação, mas pouco a pouco desapareceram da face do planeta, como disse, podendo ter deixado descendência caso possa ser diagnosticado que se cruzaram com os sapiens sapiens. Nós cientistas não conseguimos ainda provar nada. Como sabem isso não nos causa angustia. Continuando: é muito curto o período de tempo ao qual dedicamos o estudo da história do homem e seus ancestrais mais próximos no passado. Nenhuma extinção significativa. Meras extinções localizadas como a explosão do vulcão de Santorini. Naqueles anos da idade do bronze na Europa, o efeito da explosão não foi sequer notado. Ou foi pelo fato de verões sucessivos terem sido mais frios. Acostumamo-nos com a impressão, ate muito recentemente que macro extinções não acontecerão, quando os efeitos da atividade humana, sobretudo nos últimos cem anos, despertou uma quase certeza apriorística num apocalipse a curto prazo. Quase certeza, pois não conseguimos nos libertar do otimismo do século XIX nos destinos do homem. Pior, as massas religiosas só fazem aumentar. E continuarão a aumentar na medida em que o pavor da hiper crise aumentar. Enquanto isso as placas tectônicas continuarão a se mover. A África e a Europa continuarão a se afastar das Américas no inexorável movimento que pode resultar no agregamento de um novo super continente. A Lua continuará a se afastar algo com um centímetro por ano. O favorável campo magnético inverterá sua polaridade norte-sul-sul-norte muitas vezes, causando sérios problemas para a vida nos períodos de tempo que antecederem a inversão.
Num período de dezenas, centenas e milhares de milhares e bilhões de anos, conceito temporal que, no fundíssimo das nossas consciências, é encarado como irreal, o que acontecerá na evolução do homo sapiens sapiens ? Nossos cérebros crescerão ou diminuirão? Ou a extinção pela infertilidade das mulheres ou a impotência dos machos? Nossa massa muscular? O comprimento dos nossos dedos? O tamanho do coração? Ou essa aceleração da exponencial, a curto prazo, dos aquecimentos e dosagens de gases contra produtivos, acompanhados da perda total da linearidade na evolução dos fenômenos e acontecimentos, nos possibilitará uma extinção inédita? Inédita por ser, pela primeira vez, o resultado de nossas próprias aventuras...

Na audiência, diversos clérigos ficaram de pé enquanto o palestrante falava, demonstrando irritação. Esses e outros tantos saem, mais uma vez ululando impropérios.

Palestrante: ... aventuras perigosas que, certamente, ao serem perpetradas, fizeram-nos deixar de levar em conta a sorte do planeta, como registrei no inicio desta palestra, com sua órbita tão favorável em torno do Sol, sua rotação de tão convenientes 24 horas, sua translação em tão simpáticos 365 dias, a inclinação do seu eixo ainda mais conveniente para a saudável sucessão das estações de cada ano. E mesmo que ficasse provado que as proto moléculas da vida tivessem chegado somente com os impactos de asteróides de tamanhos variados, devíamos ter uma alegria cósmica dessas moléculas terem, em dezenas de bilhões de anos, possibilitado a nossa existência. E essa alegria, sem complementos crescentemente religiosos, tornar-se suficiente para nossa vida feliz e solidária, sem deuses e sem patrões, mesmo quando novos impactos mecânicos, radioativos , eletro-magnéticos, ou o evento final do Sol super nova. Nessa hipótese seria tão rápido que nossa extinção nem mesmo seria precedida de um período de barbárie...

Saem os últimos clérigos. Nível elevadíssimo de gritos e ameaças. No auditório restam sentados somente o monge budista e o brâmane. Música ao fundo: a área da Rainha da Noite da Flauta Mágica. Escuridão.

CENA 2

O Palestrante fica sentado imóvel. Começam a entrar, aos pares, todos os clérigos que haviam abandonado o auditório. Trazem braçadas de lenha. Colocam-nas em volta da mesa, em cima da mesa, por todos os lados da mesa, em volta do palestrante. Saem todos. Retorna um grupo de clérigos de denominações diversas, paramentados nos seus trajes mais luxuosos. Trazem tochas acesas. Apregoam em coro.

Coro: Nosso veredicto está decidido. Purificação pelo fogo por tantas imprecações heréticas, vociferações e manifestações demoníacas. Rodeiam a mesa acendendo a lenha. O monge budista e o brâmane correm com extintores.


Cortina

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

The Poet William - O. Goatbranchson

Whether had he known
Jeckill and Hyde?
The first truly bad,
The second defined evil
By those who have
Power on earth.

And Richard or Richard,
Which were good or bad ?
An ancestor political-gangster
With a mother who said:
You came into this world
With your legs ahead.